quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Fotos antigas

Revi, há algum tempo, fotos antigas.
É incrível como me transportam ao passado.
Vontade de chorar e rir.
Rir por tudo o que já passei, documentado nelas.
Chorar, pela saudade por ter sido tão boas as risadas, as emoções.
Descansem, fotos, no meu baú de lembranças amarrado com meu coração!

quinta-feira, 27 de março de 2014

A arvorezinha azul

O menininho, de repente, parou vidrado na vitrine. Nunca havia visto árvore de Natal mais linda que aquela. Bolas coloridas, metálicas e brilhantes como seus sonhos. Cada folhinha estava no lugar exato, cada amassadinha no galho era perfeita, completa, harmoniosa. E era branca, como havia visto por diversas vezes nos comerciais da TV, nos filmes importados da Terra de Papai-Noel, coberta de neve. Não sabia bem o que era, mas sabia que era bom, acolhedor, coisa mágica, sentimento bom. Grande, destacava-se em meio a tantas, exibia-se como uma souvenir ante a placa de vidro. E o menininho ficou ali por alguns instantes, enquanto a mãe observava encantada o encanto do filho.
- Quer uma árvore de Natal?
Como assim, quer? Eu já tenho uma: é aquela ali à frente das outras, a mais linda, grande e vistosa, capaz de comportar o maior número de presentes que Papai-Noel puder carregar. Aliás, jurava que se olhasse direitinho para a árvore, seria capaz de encontrar o bom velhinho atrás de um de seus galhos.
Respondeu com os olhos reluzentes à mãe.
- Qual você quer?
O dedo riscou o ar num sopetão desenfreado até parar à frente da feiticeira arbórea.
- Mas essa aí é muito cara. A mamãe não tem dinheiro.
Não era possível. O coraçãozinho do menininho sangrou de saudade da árvore. Saudade de um não-ter-quem-se-quer. Era a primeira de tantas desilusões que o menininho passava. Mas, para ele, esta era a pior de todas. Não queria mais nada, só sua árvore, que sorria para ele sem saber que não o acompanharia. E sem saber como aguentar tanta dor, chorou, ato costumeiro para a idade que nunca havia feito tanto sentido como naquela ocasião.
A mãe, ansiosa por amparar as lágrimas do pequeno, apontou em direção a uma pequena árvore azul escondida num canto qualquer da vitrine, tímida, acanhada pelo tamanho tão desproporcional às demais. O menininho, súbito, refutou a hipótese de substituir seu amor por outra, chorando com a intensidade que a situação merecia.
- Você não tem dó dela? Tão pequenininha... que ninguém quer. Coitadinha. Já pensou? Ficar ali no cantinho o dia todo, vendo todo mundo olhando para aquela outra e sem ninguém pra gostar dela. Por que a gente não leva ela pra casa e dá um lugar bem bonita pra ela morar? Ela vai ficar tão feliz...
O menininho, hipnotizado pelas palavras emotivas da mãe, correu colar o nariz na vitrine para ver a pobre arvorezinha azul escondida no canto. Comparada ao seu primeiro amor, aquela era minúscula, feiosa, sem tempero algum. Azul? Mas não existia árvore azul, muito menos neve dessa cor. Tão artificial... que temeu não poder amá-la como à outra.
- Só porque ela é pequenininha e azul ninguém quer levá-la pra casa. Tadinha.
As palavras da mãe punham em cheque os sentimentos do menininho, a capacidade de amar independente da aparência, e explodiam em seu pequeno peito. Pôs-se no lugar da arvorezinha e sentiu o menosprezo de todos os que preferiam as outras àquela beleza tão escondida. E assim, levou-a para casa como quem adota para si um filho, renunciando à paixão impetuosa de outrora. Em casa, montou-a, enfeitou-a no melhor espaço da casa, espalhando ao vento a história de seu passado. E passou o Natal com o coração acolhido!

***
História baseada em fatos verdadeiros.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Descansaço

Vermelho (Marcelo Camelo)

"Ás vezes eu só quero descansar
Desacreditar no espelho
Ver o sol se pôr vermelho
Acho graça

Que isso sempre foi assim
Mas você me chama pro mundo
E me faz sair do fundo de onde eu tô
De novo.

Nada sei dessa tarde
Se você não vem
Sigo o sol na cidade
Pra te procurar

Eu bem sei onde tudo vai parar

Já não tenho medo do mundo
Sou filho da eternidade
Trago nesses pés o vento

Pra te carregar daqui

Mas você sorri desse jeito
E eu que já perdi a hora e o lugar
Aceito

Nada sei nessa tarde

Se você não vem
Sigo o sol na cidade
A te procurar


Nada de meu nesse lugar

A cidade vai pensar
Que nada aconteceu em vão
Você vai me ligar então mais uma vez"



***
O sol se pôs...

De repente tudo passou
Todos foram embora
As luzes se apagaram
O futuro chegou

Minha ideia não se realizou
O tempo correu décadas a fora
Os sonhos se acomodaram
O cansaço chegou

O cabelo esfumaceou
As rugas apareceram
A experiência sorriu (em tom irônico)
E eu...
Eu já não mais era eu

O vento cantou no canto da parede
Levantou poeira estranha
Outros ventos
Outras paredes
Outras esperas

A vida é assim
E esse é o seu regalo
Nós que não entendemos
O valor de sua ironia

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Minha BMX

A viagem era longa, feita em pouco mais de uma hora, a bordo de um fusquinha verde e socado de gente e bugigangas mil. Eu pouco me importava, afinal, dentre as tralhas, levava comigo minha querida bicicleta BMX-Pantera (Monark), azul, nº 35, apesar de meu avô não ter gostado da ideia de carregar tanto peso em seu carro.
Os anos 80 eram assim. Não pensávamos muito pra fazer o que queríamos, simplesmente fazíamos e pronto. Foi assim que, alguns dias depois do dia 5 de abril de 1982, resolvemos visitar minha tia que acabara de dar à luz ao meu primo Leonardo. Residia no alto da Lapa e então enchemos o carro de meu avô, eu, minha mãe e minha avó e lá fomos Anhanguera adentro, em pouco mais de 80 km/h.
O rádio tocava o som do momento: "Você não soube me amar", da Blitz, e a molecadinha de pouco mais de 5 anos, cantava empolgada o refrão enquanto lavavam suas magrelas na rua sem saída da Lapa, rua em que minha tia morava. Desci minha bicicleta e logo me entrosei. Uau... você tem uma BMX! Exclamaram os moleques. Sim, eu tinha o sonho de consumo da galerinha, embora alguns deles também tivessem. E assim a amizade acontecia, mesmo estando ali pela primeira vez, sem saber o nome de ninguém. Nos poucos dias que ficamos hospedados na casa de minha tia, fiz amizades, colegas e até inimigos por conta de duas menininhas que acabaram se encantando com meu cabelo tigela (mais uma moda dos anos 80 entre os meninos). Por causa de uns beijinhos que me foram ofertados por elas, fui socado por seus irmãos ciumentos... enfim, esses eram os anos 80, época em que ficar na rua até tarde da noite e conversar com estranhos fazia parte do processo de crescimento pessoal... quantas saudades... se eu fechar os olhos ainda posso ver a pequena rua sem saída, o fusquinha verde do meu avô e minha BMX-Pantera nº 35.
Abril de 1982: eu e minha BMX na Lapa/SP

Caí em tentação!

Como num peteleco ardendo na orelha, caiu-me a ficha de que havia meses que não feria o blog, ou qualquer caderninho-capacho desses que se acha pelas esquinas dos móveis do escritório. Há tanto tempo que não sentia as curvas malintencionadas de uns ésses sem-vergonhas, sacumé?
E assim, de repente, que nem comichão na cueca, me resolvi numa conjunção mais do que carnal, uma verdadeira conjugação semântica-verbal de assustar até as mais acalouradas hipérboles. Confesso: fui arrebatado pelas possibilidades intrínsecas de um bom hífen, entende? Aquele bem colocado, surpreendente, que desperta inveja graúda que nem o reabilitado anti-inflamatório na veia é capaz de curar o pobre cotovelo dos demasiados pudicos.
Gozei numa loucura sem fim, como numa silepse interjeicional que além de nada dizer, exclama: ah, ah, ahhhh!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Miscelânea de mulher

Moça
Maçã
Mais
Menos
Manha

Mostra
Massa
Manhã
Miscelânea
Mestra

O M é de moça
De mulher
De mania
De mas
Que sempre existe
Malgrado o mel
Mexido do céu
Da boca da moça
Molhada

Moça mexe as cadeiras
Mexe as madeixas
Mas deixa
Que eu me perca
Sem me deixar

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sou os detalhes

Se você dissesse,
só uma vez,
para si mesmo,
o quanto não se preocupa
com os detalhes dessa vida,
muito provavelmente,
esse não seria você,
porque pra você
o que mais importa nessa vida
são os detalhes.

Você sabe disso.
Embora não goste de saber.

Se tudo o que tem na vida
são detalhes,
por que se apegar ao principal?
por que não se ater, então,
aos detalhes?

Porque é difícil pensar pequeno,
ou melhor,
ver grandiosidade nos detalhes.

Ajeita o cabelo cansado de trabalhar
e dá um jeito também no ânimo,
forja um sorriso e anda,
pois hoje ainda é presente,
e o amanhã ainda não o pertence,
por mais que você o planeje.

Só não diga que não se importa.
Que a dor não lhe afeta,
que não lhe incomoda,
sobretudo as pequenas dores,
porque sua vida,
você sabe,
são detalhes.

Às vezes entro no espelho
e me digo como grande carrasco de mim,
o quanto não aguento,
desejando ser outro,
e assim sou tão eu,
que me irrito de mim,
e me atiro ao desânimo.

Dizem que meu tempos de glória
hão de chegar
e que eu verei
e que eu rirei de tudo,
mas é o hoje que me afeta,
que me dói,
que me corrói,
que me injustiça,
pois é o que tenho pra hoje,
e talvez para o amanhã,
que ainda não nasceu.

Como é difícil viver de detalhes,
quando se tem grande pulmão,
cheio de sopro,
e vontade de ser essa contradição,
de ser do jeito que sou.

Eu sei disso.
Embora não goste de saber.
E você...
Ah, você sabe também.
Embora prefira desconhecer.

sábado, 21 de setembro de 2013

Às vezes,

Às vezes, sinto vontade de me encolher.
E bem dentro de mim permanecer.
Deixar-me em paz, no casulo.
Escondido dos perigos de fora.

Quando meu corpo já não tiver forças;
Quando meu cansaço superar meu ânimo;
Que digam que já não estou;
E deixem-me descansar da fadiga.

Porque às vezes, sinto solidão de mim.
Vontade de ficar sozinho como criança.
Só com a imaginação interagir.
Calar e rir como bem entender.

A que horas passa o trem do meio-dia?
Pois é nele que saltarei para a viagem;
Sem saber o destino que me aguarda;
Nem querer adivinhar o caminho.

É que às vezes, sumo de mim.
Pra tentar falar com Deus.
Ele me responde com um arrepio na nuca.
Eu me alegro e tenho certeza.
A certeza de que não estou aqui para me encolher.

sábado, 7 de setembro de 2013

Deus, Arte e Amor

Existe alguma coisa além do horizonte.
Dorothy mal sabia que isso era possível quando cantou os versos mais famosos de Hollywood.
Pois eu digo, existe sempre alguma coisa dentro de tudo.

Existe porque a existência é divina.
E Deus está em tudo, inclusive dentro.

Uma fagulha de sol
Um grão de areia
Uma gota d'água
Uma saudade
Uma explosão

Tudo é de Deus.
E sua onipresença se reveste de dentro e fora.
E se traduz em arte.
Ou melhor, Arte, com maiúscula.
Porque Arte é o heterônimo de Deus.
Sua essência.
Quando desvendamos a arte, contatamos Deus.

Foi assim como o homem das cavernas quando, ao esfregar dois gravetos, produziram fogo, o calor, a luz...
Os fios da crina de um cavalo ao deslizar por cima das cordas de aço tensionadas em um violino produz o som harmônico e melodioso.
É a magia de Deus também aí se revelando, desta vez em som.
É como se Deus houvesse deixado fórmulas mágicas no mundo que criou, as quais, uma vez acionadas,   o chamariam para perto de nós.
Pudera, arte é o resgate da essência, é a busca pela visão pormenor, pelo cerne, pelo esconderijo do altíssimo.
É assim que me sinto quando sinto a arte... mais próximo de Deus.

Afora a arte, a materialização mais sublime de Deus, o Amor, seu filho, é outra de suas fórmulas.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Fazer o quê, né?

E assim é a vida, fazer o quê, né?
Os mais velhos sempre sentenciaram: é, fazer o quê?
A visão é só uma, o conformismo. Assim eu pensava, cá com meus cadernos brochura riscados a lápis.
Vida é o lado bom. Ao contrário da morte, o lado ruim. É fácil e simples, qualquer um sabe.
Mas o velho, à beira do fogão, esperando o leite ferver, sabe mais.
Sabe que a noite vem e que o dia é sua justificativa, assim como o leite ferve porque o fogo está lá.
Ele tira a caneca da chama vermelha. Dá uns goles, volta os olhos pra cima do meu mundo e despeja a sabedoria vivida sol a sol.
Estuda sim, que estudar é viver. Quando a gente para, a morte se aprochega. E aí, a coisa fica feia.
E eu, com olhos arregalados diante da temida palavra, indago baixinho sobre a fuça da morte.
Quanto mais simples a vida, mais simples seus conselhos.
Problema todo mundo tem, até o velho, que agora soca amendoim com açúcar no pilão pra saciar sua vontade de paçoca. Nunca tinha visto. Mas ele garante que dá certo e soca, soca, soca até macetar todos os grãozinhos que teimam ficar íntegros dentro do pilão, como se zombassem da força do velho.
Quer socar um tanto também? É claro. A curiosidade é tanta que desdenho do esforço que terei que fazer, e soco, soco, soco até que alguns grãozinhos teimosos saltam para fora do pilão e o velho chia.
Tem problema não. Passa a mão grossa no chão e recaptura os fugitivos, ignorando bactérias e micróbios.
A vida do velho é simples, despossuída de seres microscópicos, aliás, inerte a tudo o quanto não se possa enxergar, ao menos com os óculos.
Mistura um punhadinho de sal pra dar o arremate e abocanha a farinha quase homogênea. Delícia de doce que chega a enfeitar o bigode com farelos. Eu prefiro escapar dessa etapa e pensar que deve estar realmente uma gostosura sem tamanho. Volto para o caderno, desenho letras enquanto observo o velho de boca cheia.
A vida, naquele instante, parece simples, mesmo para mim, que desenho letras e ouso esperar os dias que se atrevem a passar ligeiros como um pé de vento. Ele acaba, enfia o pilão com a colher suja dentro da pia e se refastela numa preguiça só no sofá maior da sala. Tapa a cara com a cortina e se desliga do mundo, refaz as forças para o dia seguinte. Antes disso, suspira em minha direção: é... fazer o quê, né?
Tenho pra mim que não era conformismo da parte do velho. Era muito mais constatação que conformismo. O "fazer o quê" daqueles tempos, hoje me cheira a "faça o que tem que fazer e não reclama". A diferença é que hoje consigo ouvir o "fazer o quê" com mais sabedoria, a simples sabedoria do velho.