quinta-feira, 27 de março de 2014

A arvorezinha azul

O menininho, de repente, parou vidrado na vitrine. Nunca havia visto árvore de Natal mais linda que aquela. Bolas coloridas, metálicas e brilhantes como seus sonhos. Cada folhinha estava no lugar exato, cada amassadinha no galho era perfeita, completa, harmoniosa. E era branca, como havia visto por diversas vezes nos comerciais da TV, nos filmes importados da Terra de Papai-Noel, coberta de neve. Não sabia bem o que era, mas sabia que era bom, acolhedor, coisa mágica, sentimento bom. Grande, destacava-se em meio a tantas, exibia-se como uma souvenir ante a placa de vidro. E o menininho ficou ali por alguns instantes, enquanto a mãe observava encantada o encanto do filho.
- Quer uma árvore de Natal?
Como assim, quer? Eu já tenho uma: é aquela ali à frente das outras, a mais linda, grande e vistosa, capaz de comportar o maior número de presentes que Papai-Noel puder carregar. Aliás, jurava que se olhasse direitinho para a árvore, seria capaz de encontrar o bom velhinho atrás de um de seus galhos.
Respondeu com os olhos reluzentes à mãe.
- Qual você quer?
O dedo riscou o ar num sopetão desenfreado até parar à frente da feiticeira arbórea.
- Mas essa aí é muito cara. A mamãe não tem dinheiro.
Não era possível. O coraçãozinho do menininho sangrou de saudade da árvore. Saudade de um não-ter-quem-se-quer. Era a primeira de tantas desilusões que o menininho passava. Mas, para ele, esta era a pior de todas. Não queria mais nada, só sua árvore, que sorria para ele sem saber que não o acompanharia. E sem saber como aguentar tanta dor, chorou, ato costumeiro para a idade que nunca havia feito tanto sentido como naquela ocasião.
A mãe, ansiosa por amparar as lágrimas do pequeno, apontou em direção a uma pequena árvore azul escondida num canto qualquer da vitrine, tímida, acanhada pelo tamanho tão desproporcional às demais. O menininho, súbito, refutou a hipótese de substituir seu amor por outra, chorando com a intensidade que a situação merecia.
- Você não tem dó dela? Tão pequenininha... que ninguém quer. Coitadinha. Já pensou? Ficar ali no cantinho o dia todo, vendo todo mundo olhando para aquela outra e sem ninguém pra gostar dela. Por que a gente não leva ela pra casa e dá um lugar bem bonita pra ela morar? Ela vai ficar tão feliz...
O menininho, hipnotizado pelas palavras emotivas da mãe, correu colar o nariz na vitrine para ver a pobre arvorezinha azul escondida no canto. Comparada ao seu primeiro amor, aquela era minúscula, feiosa, sem tempero algum. Azul? Mas não existia árvore azul, muito menos neve dessa cor. Tão artificial... que temeu não poder amá-la como à outra.
- Só porque ela é pequenininha e azul ninguém quer levá-la pra casa. Tadinha.
As palavras da mãe punham em cheque os sentimentos do menininho, a capacidade de amar independente da aparência, e explodiam em seu pequeno peito. Pôs-se no lugar da arvorezinha e sentiu o menosprezo de todos os que preferiam as outras àquela beleza tão escondida. E assim, levou-a para casa como quem adota para si um filho, renunciando à paixão impetuosa de outrora. Em casa, montou-a, enfeitou-a no melhor espaço da casa, espalhando ao vento a história de seu passado. E passou o Natal com o coração acolhido!

***
História baseada em fatos verdadeiros.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Descansaço

Vermelho (Marcelo Camelo)

"Ás vezes eu só quero descansar
Desacreditar no espelho
Ver o sol se pôr vermelho
Acho graça

Que isso sempre foi assim
Mas você me chama pro mundo
E me faz sair do fundo de onde eu tô
De novo.

Nada sei dessa tarde
Se você não vem
Sigo o sol na cidade
Pra te procurar

Eu bem sei onde tudo vai parar

Já não tenho medo do mundo
Sou filho da eternidade
Trago nesses pés o vento

Pra te carregar daqui

Mas você sorri desse jeito
E eu que já perdi a hora e o lugar
Aceito

Nada sei nessa tarde

Se você não vem
Sigo o sol na cidade
A te procurar


Nada de meu nesse lugar

A cidade vai pensar
Que nada aconteceu em vão
Você vai me ligar então mais uma vez"



***
O sol se pôs...

De repente tudo passou
Todos foram embora
As luzes se apagaram
O futuro chegou

Minha ideia não se realizou
O tempo correu décadas a fora
Os sonhos se acomodaram
O cansaço chegou

O cabelo esfumaceou
As rugas apareceram
A experiência sorriu (em tom irônico)
E eu...
Eu já não mais era eu

O vento cantou no canto da parede
Levantou poeira estranha
Outros ventos
Outras paredes
Outras esperas

A vida é assim
E esse é o seu regalo
Nós que não entendemos
O valor de sua ironia