sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Fazer o quê, né?

E assim é a vida, fazer o quê, né?
Os mais velhos sempre sentenciaram: é, fazer o quê?
A visão é só uma, o conformismo. Assim eu pensava, cá com meus cadernos brochura riscados a lápis.
Vida é o lado bom. Ao contrário da morte, o lado ruim. É fácil e simples, qualquer um sabe.
Mas o velho, à beira do fogão, esperando o leite ferver, sabe mais.
Sabe que a noite vem e que o dia é sua justificativa, assim como o leite ferve porque o fogo está lá.
Ele tira a caneca da chama vermelha. Dá uns goles, volta os olhos pra cima do meu mundo e despeja a sabedoria vivida sol a sol.
Estuda sim, que estudar é viver. Quando a gente para, a morte se aprochega. E aí, a coisa fica feia.
E eu, com olhos arregalados diante da temida palavra, indago baixinho sobre a fuça da morte.
Quanto mais simples a vida, mais simples seus conselhos.
Problema todo mundo tem, até o velho, que agora soca amendoim com açúcar no pilão pra saciar sua vontade de paçoca. Nunca tinha visto. Mas ele garante que dá certo e soca, soca, soca até macetar todos os grãozinhos que teimam ficar íntegros dentro do pilão, como se zombassem da força do velho.
Quer socar um tanto também? É claro. A curiosidade é tanta que desdenho do esforço que terei que fazer, e soco, soco, soco até que alguns grãozinhos teimosos saltam para fora do pilão e o velho chia.
Tem problema não. Passa a mão grossa no chão e recaptura os fugitivos, ignorando bactérias e micróbios.
A vida do velho é simples, despossuída de seres microscópicos, aliás, inerte a tudo o quanto não se possa enxergar, ao menos com os óculos.
Mistura um punhadinho de sal pra dar o arremate e abocanha a farinha quase homogênea. Delícia de doce que chega a enfeitar o bigode com farelos. Eu prefiro escapar dessa etapa e pensar que deve estar realmente uma gostosura sem tamanho. Volto para o caderno, desenho letras enquanto observo o velho de boca cheia.
A vida, naquele instante, parece simples, mesmo para mim, que desenho letras e ouso esperar os dias que se atrevem a passar ligeiros como um pé de vento. Ele acaba, enfia o pilão com a colher suja dentro da pia e se refastela numa preguiça só no sofá maior da sala. Tapa a cara com a cortina e se desliga do mundo, refaz as forças para o dia seguinte. Antes disso, suspira em minha direção: é... fazer o quê, né?
Tenho pra mim que não era conformismo da parte do velho. Era muito mais constatação que conformismo. O "fazer o quê" daqueles tempos, hoje me cheira a "faça o que tem que fazer e não reclama". A diferença é que hoje consigo ouvir o "fazer o quê" com mais sabedoria, a simples sabedoria do velho.

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