O coração não é o que mais sofre. Ele pode até levar a fama, mas todos se esquecem dos coadjuvantes. O que dizer dos dedos, que se retorcem e se estralam e se arrebentam numa sangria desatada de materializar a angústia? O coração acelera e são os dedos que aguentam o tranco. Lutam uns com os outros para saciar a loucura sem ter que ficar louco.
O pulmão é outra vítima renegada a segundo plano. O coração palpita, enche a corrente sanguínea de adrenalina e é o pulmão quem tem que assoprar depois da porrada hormonal que sofremos. Abre e fecha, ar e gás carbônico, e assim prossegue a vida, como uma caixinha encolhida, que ora se solta e relaxa, ora se prende e contrai, como num ataque-defesa. E é o pulmão quem deve trazer o alívio para as horas mais quentes.
Os dentes... esses já têm destaque há algum tempo, nem sei se vale a pena narrá-los, mas como loucos que são, trincariam-se caso não entrassem na história. Do mesmo jeito, batem-se e debatem-se e rangem-se desesperadamente. São como os dedos: passionais demais... e influenciáveis. Tudo é violência para eles. Bastou o coração disparar a ordem para eles logo aterrorizarem ainda mais a cena.
Já as pupilas são um espetáculo à parte. Têm o poder de metamorfozearem-se, dilatando-se ou comprimindo-se, às vezes banhando-se e avermelhando-se. São trágicas. Aliás, as mais trágicas. Encenam bem a verdade, embora possam dar-se também à falsidade. Pudera, a vista que lhes é concedida, capaz de comover até órgãos escondidos como o coração, é de arrasar. São as meninas dos olhos, mas tem muito menino que chora também.
E essa orquestra, que bem poderíamos ficar horas completas descrevendo, com mais e mais coadjuvantes-protagonistas, funciona para comover a boca. Para dar aquele empurrãozinho e a fazer falar ou para fazê-la calar dependendo da ocasião. O fato é que quando você se aproxima, todos sabem o que fazer para prolongar o ato: tornar inesquecível o momento frente a sua presença.
2 comentários:
Que engraçado... Pensei em escrever algo neste sentido dia desses. Meu coração pedia. Mas me censurei.
Beijos
É... sei bem cumé essa história de se autocensurar...
bjo
e obrigado pela visita ao blog!
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