quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Orquestra emocional

O coração não é o que mais sofre. Ele pode até levar a fama, mas todos se esquecem dos coadjuvantes. O que dizer dos dedos, que se retorcem e se estralam e se arrebentam numa sangria desatada de materializar a angústia? O coração acelera e são os dedos que aguentam o tranco. Lutam uns com os outros para saciar a loucura sem ter que ficar louco.
O pulmão é outra vítima renegada a segundo plano. O coração palpita, enche a corrente sanguínea de adrenalina e é o pulmão quem tem que assoprar depois da porrada hormonal que sofremos. Abre e fecha, ar e gás carbônico, e assim prossegue a vida, como uma caixinha encolhida, que ora se solta e relaxa, ora se prende e contrai, como num ataque-defesa. E é o pulmão quem deve trazer o alívio para as horas mais quentes.
Os dentes... esses já têm destaque há algum tempo, nem sei se vale a pena narrá-los, mas como loucos que são, trincariam-se caso não entrassem na história. Do mesmo jeito, batem-se e debatem-se e rangem-se desesperadamente. São como os dedos: passionais demais... e influenciáveis. Tudo é violência para eles. Bastou o coração disparar a ordem para eles logo aterrorizarem ainda mais a cena.
Já as pupilas são um espetáculo à parte. Têm o poder de metamorfozearem-se, dilatando-se ou comprimindo-se, às vezes banhando-se e avermelhando-se. São trágicas. Aliás, as mais trágicas. Encenam bem a verdade, embora possam dar-se também à falsidade. Pudera, a vista que lhes é concedida, capaz de comover até órgãos escondidos como o coração, é de arrasar. São as meninas dos olhos, mas tem muito menino que chora também.
E essa orquestra, que bem poderíamos ficar horas completas descrevendo, com mais e mais coadjuvantes-protagonistas, funciona para comover a boca. Para dar aquele empurrãozinho e a fazer falar ou para fazê-la calar dependendo da ocasião. O fato é que quando você se aproxima, todos sabem o que fazer para prolongar o ato: tornar inesquecível o momento frente a sua presença.

2 comentários:

Unknown disse...

Que engraçado... Pensei em escrever algo neste sentido dia desses. Meu coração pedia. Mas me censurei.
Beijos

Gustavo disse...

É... sei bem cumé essa história de se autocensurar...

bjo
e obrigado pela visita ao blog!