Falar a verdade irrita muita gente, incomoda outras e simplesmente inexiste para muitas. É algo tão repulsivo que chacoalha as estruturas. Uma máquina capaz de detectar mentiras, afirmam, percebe quando alguém a ela acoplado mente pelos sinais elétricos emitidos pelo corpo, que também afirmam, não foi feito para mentir e por isso sofre. Eu já acho que o corpo sofre é para esconder a verdade e não para falar a mentira ou como muitos políticos gostam de crer, omitir a verdade.
Ninguém vive na verdade absoluta, pois é um campo infértil quando a semente que é jogada é a sociedade, a convivência. Pra essas espécies vingarem, o terreno pode até ser composto de verdade, mas sem uma boa camada de mentira, não há broto que cresça.
Outro dia, um jovem me interpelou para perguntar que horas eram. Eu olhei para o relógio e lhe disse: meio-dia.
- Meio-dia, meio-dia ou quase meio-dia?
- Meio-dia em ponto?
- Falo sério. Que horas são?
E o que ganharia mentindo para um desconhecido sobre o horário? Repousei os olhos no relógio mais uma vez na esperança de ter visto algo errado e, assim, dar razão ao sujeito. Nada.
- É meio-dia em ponto. Reafirmei, voltando às passadas largas de antes.
- Mas, espera aí. Como é que pode ser meio-dia se o sol não está bem em cima de nós?
- Hoje está nublado. Não tem sol visível. Não tem como saber se ele está ou não bem em cima de nós.
- Ah, mas se você olhar bem, vai ver que as nuvens ali - apontou com o dedo indicador um dos amontoados brancos no céu - estão mais iluminadas. Isso porque o sol deve estar bem ali.
- Ah, então tá. Deixe-me ir agora, que estou atrasado para um compromisso.
- Você não está atrasado. É só o seu relógio que está adiantado, pois ainda não é meio-dia.
- Ok, você venceu... (batata frita...), meu relógio, apesar se ser de titânio e movido a energia solar com alta precisão em seu medidor de segundos, está errado perante à sua observação de um céu nublado no qual não há a menor possibilidade de ver o sol. Agora preciso ir, adeus!
- E é a Deus mesmo...
- Como é?
- É graças a Deus mesmo que hoje eu enxergo. Eu era cego até o mês passado. Hoje, consigo enxergar tudo. Então, procuro sempre ver o céu, contemplar o mundo lindo que Deus fez, para ver as horas, ao invés de ficar olhando pra uma máquina que o homem inventou para saber se está ou não na hora de almoçar.
- Mas, cidadão... foi você que me perguntou. Se você é tão bom, por que não olhou pro céu e pronto?
- Porque é sempre bom ter duas opiniões.
Virei-me e corri dali. O tempo fechou e o sol desapareceu. Na certa, já devia ser quase meia-noite!
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