Por favor, TV não. Pelo menos não hoje. Como dizem os viciados: só por hoje vou ficar limpo. Chega de superficialidades, de entretenimento inútil e de intelectualidades factóides. Pra mim isso não serve. Pode servir para as apresentadoras burras que encontram em discussões banalizadas pela ação da mídia uma justificativa para o dedo indicador estacionado na fronte fazendo par com o polegar imóvel na sustentação do queixo.
Eu não. Eu quero mais que isso. Quero ver criatividade útil. E nessa entressafra que vivo, tenho procurado aproveitar meu tempo da forma como sonhei. Nutrindo-me de paz e amor e conhecimentos. É assim que, em breve, passarei à próxima fase. Aguardem!
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Horácio entrou no quarto escuro e antes que pudesse acender a luz foi agarrado inexplicavelmente. O braço que o laçara pela garganta era gigante. O laço feito entre o antebraço e o próprio bíceps era perfeito. Não haveria no mundo possibilidade de fuga. Horácio não tinha esperanças de reação. Não tinha nem mesmo vontade de reagir perante a escassez de ar que lhe atormentava a traquéia.
O braço insistia em lhe fazer refém, embora o pobre homem não adivinhasse o porquê daquela agressão estúpida e sem sentido da qual se via vítima. Seria um de seus subordinados no serviço militar? Aqueles que Horácio havia humilhado de forma implacável no dia de apresentação?
Horácio era oficial do exército. Havia seguido a carreira que mais dava gosto ao pai, apesar deste nunca ter chegado a ver a farda do filho. O fato era que há 10 anos ele tinha o gosto de ser apresentado aos recrutas como o grande comandante. Cheio de medalhas e honras ao mérito, as quais fazia questão de carregar no peito.
Ele, em atitudes visivelmente paternas, demonstrava ao pelotão toda a supremacia que, a exemplo de seu pai, insistia em ter. Não havia recruta que não suspendesse a respiração enquanto ele se ocupava em ordenar seu contingente.
Agora pensando com os últimos segundos de ar que ainda lhe restavam, chegava à conclusão que tinha passado dos limites com a última turma. Havia exigido que fizessem exercícios físicos até a exaustão ou, como ele mesmo berrou, até que vomitassem.
Mas qual deles seria o seu carrasco naquele momento? Um braço forte. Era apenas essa a informação que seu algoz permitia que tivesse antes de sucumbir. Seria isso? Após tantas ordens e tanta imponência, haveria de acabar daquele jeito? Uma gravata perfeita e sem possibilidade de fuga? Mais do que uma derrota humilhante, aquela seria sua última derrota.
Ao arregalar os olhos na tentativa desesperada de buscar ar no infinito, Horácio pensou na família e, apesar de nunca haver dado muita importância à mulher e aos filhos, desejou, dentre as últimas pulsadas da veia, no alto de sua testa, a oportunidade de estar junto ao filho, o qual ele amava muito, embora não tivesse gosto e até implicasse com a profissão de bailarino do rapaz.
Desejou estar ao menos mais uma vez com a esposa, outra vítima da violência e do desamor de Horácio. Mesmo assim, pediu a Deus naquele instante, mesmo não acreditando em sua intervenção. Suplicou que lhe desse apenas mais um segundo. O segundo necessário para gritar que se arrependia do pequeno ser que havia sido até então.
O ar voltou a ventilar o pulmão de Horácio e este ressuscitou quando o braço afrouxou e os gritos ecoaram no instante em que as luzes foram acesas e as bexigas, junto aos inúmeros convidados, apareceram por todo o quarto. "Feliz aniversário, Horácio!"
G.B. - 2005
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