sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Prisioneiro de si mesmo

Bate daqui, dali, repica cá, volta e rebate outra vez.
Diguinho se emocionava toda vez que acertava uma raquetada em cheio na bola de tênis. Sentado havia uns dez anos em sua cadeira de rodas, ele adorava passar os dias treinando seu esporte predileto, embora não tivesse, no auge de seus 25 anos, tido a oportunidade de pisar em uma quadra. Mas gostava, mesmo assim, de vislumbrar o dia em que se levantaria da cadeira e daria um show na quadra lá embaixo.
Diguinho morava no alto do edifício, mais precisamente no vigésimo terceiro andar, de onde podia observar os amigos jogando futebol. A mão não parava quieta, como se ficasse a rebater em pensamento a pequena bolinha. Ah, quando eu puder sair daqui...
Mas não podia. E os dias passavam, como se zombassem dele, do seu pouco progresso.
A bolinha pra lá e pra cá, no pique e repique, visitando vasos e lustres, arrepiando os cabelos da mãe e atraindo a indiferença do pai.
Um dia, a notícia veio. Iam reformar a área de lazer do condomínio. Uma quadra de tênis surgiria onde hoje se encontrava o futebol de salão dos amigos. Diguinho se emocionou. Haveria agora uma razão para tudo mudar. Uma quadra inteirinha lá embaixo, esperando por ele. Não podia decepcionar sua vontade.
A quadra ficou pronto, depois de meio ano de obras. Diguinho se vestiu para a ocasião, apesar dos apelos da mãe e da torcida de nariz de pouca confiança do pai. Agarrou a bolinha, empunhou a raquete e rodou o aro da roda até a porta de saída do apartamento. Apertou o botão do elevador e entrou sozinho. A mãe, obstruindo o fechamento da porta, ouviu os argumentos do filho que vinham do olhar sereno. Diguinho estava pronto!
A cada tentativa, um intervalo de cinco minutos. Tempo para recuperar a bolinha sapeca que teimava em fugir de um lado para outro da quadra. Do vigésimo terceiro andar, os pais podiam ver Diguinho, sozinho lá embaixo, acertando e errando a bolinha na imensidão da quadra. E entendiam, naquele momento, que o único motivo de estarem ali, presos dentro de suas dificuldades, de seus problemas de gente, de seus preconceitos, e que o tornavam muito menores diante do filho, era a vontade de se permitirem, de se sentirem vivos.
- Ahhhhhhhhhh, um set a zero pra mim! Ninguém mais é capaz de me vencer... Posso até perder, mas nunca serei derrotado!
Sem se dar conta, naquele dia Diguinho foi assistido por centenas de olhos envergonhados por suas condições de normalidade.

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