- E pra quê você quer ficar no carro?
- Pra ficar dirigindo, oras!
- E desde quando você sabe dirigir?
- Faz tempo já... só nunca tentei de verdade! - respondi ingênuo.
- Tá certo... vem cá então, pula pro banco da frente.
- Por que? Onde vamos?
- Vamos dar uma volta.
Sentei ao seu lado. Meu avô soltou o carro na ladeira de casa. Como de costume, aguardou o embalo e, num tranco perfeito, fez roncar o corcelzão, como de costume. Deu a volta no quarteirão e pegou a avenida principal do bairro. Subiu até uma outra, de maior movimento e parou o carro na esquina, desligando-o e tendo, a partir daí, somente o vento forte trazido pelos automóveis que passavam por nós, como som em seu interior.
Olhei arregalado para meu avô. Ele virou a cabeça em minha direção e antes que ele abrisse a boca eu já começava a entender sua intenção.
- Então você é motorista?
A pergunta, feita em tom de provocação atingiu certeiramente meu orgulho de moleque. Aquilo era um desafio. E eu precisava vencê-lo.
- Sou - Falei com a voz amedrontada pelo que estaria por vir.
- Então assume o volante.
- Mas aqui? Tem muito carro passando...
- Você é ou não é motorista?
- Sou.
- Então vem.
Saí do carro, dei a volta mais longa de toda a minha vida em volta do Corcel para acessar o lado esquerdo do carro e assumi o posto.
- Liga e vamos.
- Pra onde?
- Pra frente.
- É lógico que eu vou pra frente, mas qual o destino?
- Não sei. O motorista aqui é você. Não é mesmo?
- Então nós vamos voltar pra casa.
Silêncio. Meu avô havia se colocado na condição de passageiro. Aquele que, segundo ele vivia repetindo pra minha avó, devia sempre ficar quieto enquanto o motorista guiava.
- Se o senhor não me der umas dicas vai ficar difícil... eu nunca dirigi nessa avenida tão movimentada.
- Você nunca dirigiu em lugar nenhum, rapazinho! Não se esqueça disso! Toca o carro que eu te ajudo, motorista!
Coloquei o câmbio no "ponto morto" e liguei o carro na chave, preferindo deixar o tranco pra uma outra ocasião. Soltei o freio de mão e senti o carro descendo a avenida. Era mágico. Naquele momento, eu estava no comando. Eu podia decidir. Eu tinha o poder de andar para onde eu quisesse. Eu tinha em minhas mãos toda aquela máquina, que obedecia fielmente à empolgação do menino motorista.
Andei uns 200 metros, olhei pelo retrovisor e acionei a seta para a esquerda, anunciando a conversão. Virei o carro e acessei a mesma avenida, só que agora do lado oposto. Uma subida se pôs à minha frente. Engantei a segunda marcha, tirei o pé da embreagem e acelerei. Perfeito. Eu guiava o Corcel numa subida a mais ou menos 40 quilômetros por hora, sem me atrever a passar do limite da marcha.
- Passa para a terceira!
- Não. Já está bom essa velocidade.
- Mas que motorista é esse? Nessa velocidade vamos chegar a semana que vem em casa.
- Não vamos não. E o senhor fique quieto porque o senhor é passageiro! - falei sem pensar.
- Ah é... pode deixar que eu não falo mais nada.
Cheguei à esquina da avenida que fazia junção com a avenida principal do bairro. Novamente olhei para o retrovisor. Um, dois, três carros vindo. Tive que frear o veículo para esperar a passagem deles. O carro começou a trepidar e morreu.
- Xi... mas que motorista é esse que deixa o carro morrer?
- Por que morreu?
- Porque o motorista esqueceu de pisar na embreagem.
- Putz... a embreagem. Então ela também serve pra não deixar o carro morrer enquanto está engatado?
- Claro! Ou você pensa que embreagem só serve pra deixar mais mole as marchas?
Liguei novamente o Corcel. Engatei a primeira e acelerei. Virei a conversão e, ao engatar a segunda marcha, já estava na avenida principal de casa. A partir dali, era só administrar a descida no ponto-morto. Estacionei o carro em frente casa e desliguei o motor. Olhei para meu avô como quem diz "aquela morridinha não atrapalhou meu desempenho, atrapalhou?".
Saí do carro. Na calçada vizinha, meus amigos, todos quase da minha idade (com variação de um ou dois anos), me olhavam atentamente.
- Gu, amanhã a gente dirige mais! - gritou meu avô, para inveja de todos os meus amigos.
- Você dirigiu onde? - questionaram.
- Ah, fomos em uma avenida muito movimentada. Mas pra mim não tem perigo, né? Já sou motorista!
Eu, aos 10 anos, no Corcel II do meu avô. E minha prima pescoçando! rsrs |
Corcel II marrom com minha avó e meus primos. A foto deve ser de 1987 |
Junção da avenida principal do bairro (à direita) e avenida Osmundo Santos Pelegrini já nos anos 2000 |
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