quarta-feira, 30 de março de 2011

Sorrisos e criações

Era pra ser surpreendente. Ele sabia disso. Mas naquele instante se irritava com os olhares que a fulminavam ao ponto de constrangê-la. Na verdade, ela parecia gostar de todo o assédio. E ele olhava-a com certa apreensão. Alguém a encantará mais que eu? Alguém a seduzirá? Alguém a roubará de mim? Um observador se aproximou. Atendo aos detalhes daquele rosto, foi chegando devarzinho, como se fosse entrar dentro dela.
- Pois não, o senhor precisa de ajuda? Perguntou ligeiro ao intruso.
- O senhor quem é? Indagou-lhe o intruso com ar de autoridade.
- Sou eu quem a criei.
- Interessante.
O que poderia ser interessante? Aliás, não havia palavra mais confusa que essa naquela momento, afinal, interessante nem descrevia tamanha beleza à sua frente, tampouco o poder que detinha sobre a obra de arte.
- O que é interessante? Questionou o criador.
- A perfeição dela. Inspira-me ar de liberdade, de independência feminina, de delicadeza e aspereza, feminilidade e masculinidade reunidas num só sorriso.
- O senhor não entende nada de arte. Isso é essência. Não é forma. Isso é amor. Não é paixão. Com licença, há outros tantos querendo admirá-la. Por favor, não obstrua a visão dos demais... homens?
Sim, um salão repleto de homens atônitos pela bela estátua que desfilava mesmo parada. O ciúme lhe corroía a alma, mas não podia fazer nada, a não ser permitir à estátua seu deslumbramento. Afastou-se para o fundo do salão e, roendo as unhas, viu que todos a desejavam, mesmo sendo desconhecedores de sua representatividade, de seu néctar. Travou o maxilar de ódio e prazer no momento em que percebeu um sorriso nos finos lábios de sua criação um tanto quanto acentuado, inexistente outrora.
- Não, não pode ser...
Mas era. Nenhum daqueles homens queria seduzir sua criação. Era ela quem os seduzia, pondo-os à margem de suas humanidades. Nunca uma criação foi tão verdadeira quanto naquele dia, naqueles tempos.

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