sábado, 21 de fevereiro de 2009

Quem poderia imaginar? Meu avô podia!

A bomba de combustível estampava o preço da gasolina: algo em torno de R$ 0,62 o litro (transformando o então cruzeiro pelo real de hoje). Era final dos anos 80 e eu, como sempre, acompanhava meu avô em mais uma de suas saidinhas básicas de carro. O velho gostava de dirigir.

Gostava não, era vidrado num automóvel. Tanto que, segundo os arquivos fotográficos de família, ele havia sido um dos primeiros moradores da vizinhança pobre em que morava na época em que ainda começava a grande família de sete filhos, a possuir um carro.

Outro fato que, nesse caso, poderia depor a favor, é ele ter trabalhado durante quase 40 anos como motorista do Departamento de Estradas e Rodagens - a DER, e ter se aposentado lá.

Bem, voltando ao assunto, o fato é que meu avô era apaixonado por uma direção e, vez por outra, me chamava para uma volta quase sempre sem finalidade. Inventava desculpas mil para ter uma razão para sair.

E agora, abastecendo o carro num posto qualquer, esbravejava contra o preço da gasolina. Dizia que era um absurdo. Que daquele jeito onde é que o preço ia parar. Que o jeito seria começar andar a pé (e viver no meio do mato, próximo a um rio), enfim, resmungando como um típico brasileiro, descendente de portugueses e ingleses que era.

Aliás, meu avô, Daniel, costumava profetizar que o futuro da humanidade estaria na volta ao campo, ou nas palavras dele, na volta ao mato.

- Do jeito que tá cara a força (energia elétrica), o gás e a água, não vai dá pra ficar muito tempo na cidade (zona urbana) não. Logo logo vamos ter que arrumar um lugarzinho no meio do mato, onde tenha um riozinho e voltarmos a viver como antigamente, de vela, água do rio e de fogão a lenha.

Mal suspeitava eu, que um dia todas essas profecias fariam sentido para mim. Se analisarmos os efeitos da devastação do meio ambiente pelo homem, concluímos que, de fato, o futuro nos reserva uma volta ao passado, ou às origens. Mas tudo isso, naquela época, eram apenas divagações de meu avô, as quais me faziam dar risadas.

Acabado o abastecimento do automóvel, o frentista entrega a chave e recebe o dinheiro: algo que hoje corresponderia a R$ 31 mais ou menos por um tanque cheio de gasolina. Ele liga o carro e faz a previsão mais certeira que eu já ouvira.

- Essa gasolina não para de subir... onde vai parar isso? Daqui a pouco um litro de gasolina vai estar mais caro do que um litro de leite!

Meu avô se foi no dia 26 de dezembro de 1994. Poucos dias antes, hospitalizado, ele confessava para um de seus filhos que não via a hora de sair dali para dar umas voltas de carro. Hoje, quando abasteço meu carro e vejo que, há muito, o preço da gasolina ultrapassou o do leite, concretizando o que, no final dos anos 80, não passava de um absurdo, sinto ouvir meu avô dizendo baixinho pra mim:

- Tá vendo? Eu não disse que um dia a gasolina ia ser mais cara do que um litro de leite? Onde é que isso vai parar...?
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Foto: Meu avô e eu, seu fiel escudeiro. 1982.

2 comentários:

Unknown disse...

Adorei sua foto lá em cima, Gu!
Aliás, o sr. está no jornal hoje, né?
E essa gasolina não para mesmo de subir... Boa história!
Beijinho

Anônimo disse...

Meu, foi seu melhor post até agora! Quanta verdade humana e respeito.

Volta e meia lembro desta história. Seu avô era uma figura! "Eu não quero aprender nada. Se possível, queria desaprender algumas coisas que sei..." Grande sabedoria!


Abraço saudoso,
seu irmão.